terça-feira, 19 de novembro de 2013

Consciência Negra

Hoje pela manhã meu pai e eu tivemos um debate acalorado sobre o Dia da Consciência Negra e cotas raciais - sou a favor das políticas afirmativas de inclusão de negros, índios e dos estudantes de ensino público. Já meu pai diz que cotas raciais não são justas e usa o discurso de reafirmação do racismo, enquanto eu defendo as políticas afirmativas como um meio do governo de pagar uma dívida histórica do Estado em relação às minorias.

Taís Araújo / Fonte: Mais Glória
Lembro que, quando era aluna da UFG, quando a universidade estava prestes a adotar o sistema de cotas, discutimos a criação do mesmo em sala de aula. Entre algumas das conversas, uma me chamou a atenção. A de que a atriz Taís Araújo declarou que sim, é a favor das cotas, mas que, se tivesse oportunidade, não seria optante do sistema. Motivo: ela é de uma família de classe média, estudou em bons colégios, teve oportunidades que o público-alvo desta ação afirmativa não teve. No fim da aula, o professor Juarez Maia fez uma observação: que eu e outra colega não havíamos opinado sobre o tema.

Posso esclarecer, anos depois, a falta de participação na aula com dois motivos: 1) sempre cultivei uma baixa autoestima em relação a falar em público e travava (ainda travo) na hora de tecer uma fala para muita gente; 2) Sim, pelo sistema, talvez, eu possa ser considerada negra. Nos meus traços físicos pode sim ter a evidência de que minha família materna é negra. Mas sou como a Taís. Graças aos esforços dos meus pais, fiz parte do ensino fundamental em escola particular e parte em escola municipal, meu ensino médio foi em escolas particulares e entrei na universidade pública na primeira tentativa, sem necessitar de cursinhos etc, já que o colégio em que estudei oferecia aula de dia, tarde, noite e até de madrugada, se fosse possível.

Porém eu sou uma exceção neste país onde a regra é o negro marginalizado, e tem menos oportunidades do que o branco. O negro que não está em uma sala de aula de universidade pública porque não teve as mesmas condições financeiras de ter o ensino privado para ser preparado exclusivamente para passar em uma prova de vestibular. Que recebe menos, que é tratado como bandido, que vive sob estereótipos como o do malandro, da mulata, do favelado.

Vivemos em um país de contrastes que, apesar de laico, comemora diversos santos e padroeiras, mas que reclama quando Índios e Negros querem celebrar suas raízes, a importância de suas identidades dentro no nosso contexto sociocultural.

Chimamanda Adichie - escritora
Fonte: Books Live
Enfim, voltando à manhã de hoje: saí de casa ouvindo a maravilhosa conversa da escritora nigeriana Chimamanda Adichie, que palestrou no TED (www.ted.com) sobre "O perigo de uma história única" (clique para assistir). Durante a palestra, ela relata como seu ponto de vista foi limitado, muitas vezes, por ter acreditado que só havia uma maneira de enxergar uma família, um povo, um país, ao acreditar somente no que ouvira de sua mãe, no que lera em livros britânicos e americanos. Quando, ao chegar nos Estados Unidos, ela foi vítima do que chama de "história única" e viu que esperavam que ela falasse dialetos africanos, ouvisse músicas tribais, não soubesse operar um fogão e que tivesse sido uma criança que tivesse passado por fome e abusos. Porque essa é a imagem que foi construída do continente africano como um todo, porque ninguém sabia que na Nigéria pudessem falar inglês, ouvir Mariah Carey, ou que houvesse pessoas talentosas como Chimamanda.

Enfim, para encerrar, gostaria que nós pensássemos nas histórias únicas que também são construídas no Brasil. As que dizem que Bolsa Família é assistencialismo, as que criticam as cotas raciais com o discurso de que isso reforça o racismo, as que chamam o índio de preguiçoso quando os índios restantes em nosso país são sobreviventes de massacres e expostos a diversos tipos de agressão ainda nos dias de hoje. Que tal procurar os outros lados dessas histórias? Questionar, duvidar, não apenas aceitar o que é dito pela mídia, pela massa de manobra?

Feliz Dia da Consciência Negra. Viva o dia em que a minoria social que forma a maioria da população deste país se empodera para celebrar suas raízes e lutar por mais inclusão e justiça.

P.S: No Facebook, onde o Presidente do STF Joaquim Barbosa é visto como heroi, é comum vermos imagens dizendo que ele é contra cotas etc. Por favor, se informe. A verdade é que o ministro (por quem não tenho muito apreço, diga-se de passagem), tem ao menos uma qualidade, sob o meu ponto de vista: é à favor das políticas afirmativas como estabelecedora da igualdade entre os indivíduos prevista em nossa Constituição. Clique para ler sobre isso. Obrigada.

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